sábado, 18 de junho de 2011

ALMAS DESTINADAS - Prólogo

ESPANHA, 1864
A minha irmã estava bastante nervosa. Eu tentava que os seus nervos não me perturbassem; para mim não havia motivos para agitação e ânsias. Era ela, Elena Isabel, que ía apresentar o seu companheiro à nossa família. Fez-me aperaltar para impressionar o pobre rapaz. Pobre rapaz por ter de levar com a minha gémea falsa que consegue sempre fazer uma tempestade num copo de água.
O seu cabelo negro e liso estava preso no cimo da cabeça com um perfeito entrelaçado de tranças. Ela era centímetros mais baixa do que eu, mas ficava elegantíssima ao trajar o seu vestido comprido com decote em V em tons de vinho.
Estávamos a descer as escadas da nossa mansão. Os nossos pais estavam muito bem arranjados à fina moda de um burguês bem sucedido no trabalho; aguardavam sentados na poltrona carmim.
Passados meros segundos, bateram à porta. A nossa empregada dirigiu-se rapidamente à porta, limpando as mãos às saias amarrotadas. Elena gritou-lhe para que não abrisse. Virou-se para mim e belicou as minhas bochechas para as tornar mais rosadas. Depois, deu volume aos meus caracóis caídos pelas costas, ajustou o meu espartilho verde alface.
Gabriela (a nossa empregada) abriu a porta da nossa mansão de férias.
O rapaz alto e entroncado subiu os dois degraus até à entrada da casa.
Distraí-me a olhar para o chão de madeira brilhante que sempre gostara.
- Francisco, esta é a minha irmã: Maria Isabel. – disse Elena ao aproximar-se de mim, pondo um braço à volta da minha cintura.
Foi nesse preciso momento que olhei para o rapaz mais bonito que vira em 19 anos de vida. Ele tinha a pele em tons morenos claros, os olhos eram uma mistura de chocolate e mel, o nariz completamente proporcional à cara afiada e o lábio superior desenhava a forma de um perfeito coração.
- Señora. – disse ele, curvando a cabeça em sinal de respeito. Agarrou delicadamente a minha mão direita e beijou os nós dos dedos. – Es un placer conocerte, Maria Isabel.
- Gracias. – disse eu ao sorrir-lhe.
- Hablas español. – afirmou.
- Poco, muy poco, pero me gusta.
- Puedo ayudarte.
- En serio? Hum, gracias entonces.
Ele acenou com a cabeça. De seguida, o meu pai convidou-o a sentar-se no sofá.
Abigaíl – a minha gatinha branca – veio da cozinha e cheirou os sapatos de Francisco. Este fez-lhe uma festinha. Peguei nela e fui sentar-me no meu cadeirão, onde recomecei a tricotar os meus bordados que iriam ser uma das prendas para a minha irmã, quando esta se casasse.
Os meus pais conversaram calmamente com Francisco, perguntando-lhe sobre os seus estudos, a sua família e os seus objectivos na vida. Passámos um bom serão, mas já se fazia tarde. Francisco despediu-se e foi-se embora.
(...)
- Gabriela? Está alguém à porta! GABRIELA? – gritava eu à empregada. As pancadinhas na porta já se faziam dores de cabeça, por isso desci as escadas a correr e dirigi-me à porta. Abri-a.
- Oh, Sr. Francisco. Como está?
- Muy bién y tú?
- Estou bem, muito obrigada. Então, o que faz por aqui? A Elena saiu às compras com a minha mãe e o meu pai está a trabalhar.
- Vine a hablar con usted.
- Comigo?
- Sí, le prometí que le diera lecciones en espanõl.
- Ah, prometeu...
- Yo siempre cumplo mis promesas.
- Ainda bem, Sr. Vejo que é um homem honrado. Fico bastante feliz pela minha irmã o ter encontrado.
- Yo también. – sorriu ao entrar.
(...)
O céu estava limpo e o dia abafado. Estava sentada na fresca relva do jardim das traseiras. Lia um dos meus livros preferidos de William Shakespeare, aproveitando o silêncio acolhedor. De repente, uma presença atrás de mim, sobressaltou-me.
- Buenas tardes, Maria Isabel.
Levei a mão ao peito.
- Oh, Sr. Francisco. Assustou-me.
- Pérdoname.
- Não se preocupe.
-Qué está leyendo.
- Um dos meus livros preferidos: António e Cleopatra.- Shakespeare es demasiado dramático.
- Mas também bastante romântico.
- Maria Isabel le gusta romances trágicos?
- Sim, Sr, gosto muito.
Francisco estava atrás de mim em pé, embora um pouco debruçado sobre mim.
- He venico aquí a dar algo.
- O quê?
- A él le gustaba usarlo.
Ao dizê-lo, ajoelhou-se atrás de mim, afastou o meu longo cabelo para trás e pôs-me algo no pescoço. Era um colar fino com um medalhão a pender.
Peguei no medalhão para ler o que nele estava cravado. De frente, tinha o meu nome e na parte detrás dizia: Con mucho amor.
Mal li a dedicatória, levantei-me bruscamente.
- Desculpe Sr., mas não o posso aceitar.
- Por qué no?
- Porque não posso! Não posso! – comecei a andar de um lado para o outro nervosa.
- Por favor, acepta. Es de mi difunta madre.
- A sua mãezinha chamavasse Maria Isabel?
- Sí, Senõra.
- E, porque razão está a dar-me o colar? Dê ao seu paizinho!
- Mi padre murió en el ejército. Compró el collar de mi madre antes de irse.
- Nesse caso, devia guardâ-lo com grande estima!
- Por favor, acepta. Me recuerdas a mi madre.
Olhei-o minuciosamente. O meu instinto dizia-me que não devia aceitar aquele colar com tanto amor e história. Aquele colar era pesado de memórias... memórias essas que não me pertenciam... mas como podia eu recusar aquela sumarenta ternura de pedido?!
- Acepta. Es divino en su cuello
Ruborizei. Passei suavemente as pontas dos dedos pelas letras do medalhão.
Apercebi-me que ele já tinha o meu calor corporal. E, imaginei-me, amanhã de manhã, a pulverizá-lo com o meu perfume de lavanda e rosas.
(...)
- Yó puedo.  Tú puedes. Él/Ella puede. – dizia eu o verbo “puder”. – Assim?
- Correctíssimo. Un pronunciado muy bueno.
- Obrigada, mas é apenas porque tenho um bom professor, Sr.
- me siento halagado... y triste.
- Porquê?
- Maria Isabel me llama “señor”. Llámame Francisco.
Fiquei um pouco sem saber o que dizer, mas depois:
- Como queira, Francisco.
Ele sorriu.
(...)
- Menina Maria Isabel? – chamou Gabriela, batendo à porta do meu quarto.
- Entra, Gabriela.
Ela entrou e encostou a porta.
- Quer ajuda? – perguntou ela ao ver que o meu espartilho ainda não estava apertado.
- Sim, por favor.
Gabriela começou a apertar-mo, fortemente. O processo era sempre doloroso.
- A Sra. Sua irmã já chegou.
- Ai, sim?
- Sim, acompanhada pelo Sr. Fernandéz.
A minha pulsação acelerou.
- Vieram fazer serão?
- Penso que sim, Menina. A Sra. Sua irmã está muito alegre hoje... diz ter uma óptima novidade.
- O que será...? – comentei para mim mesma.
Desci as escadas. Elena, Francisco e os meus pais já tomavam conhaque.
- Maria! – exclamou Elena, vindo ter comigo a correr. Abraçou-me. – Vem, vem. – convidando-me a sentar na poltrona. – Temos uma coisa para te contar. A mamã e o papá já sabem.
- Diz-me, Elena. – pedi-lhe, curiosa.
Ela virou-se para Francisco.
- Contas tu ou eu? Ah, ou os dois ao mesmo tempo?
Ele olhou para o chão, envergonhado. Dei uns goles no meu conhaque.
- Tú.
- Está bem, querido. – disse Elena. – Maria? Eu e o Francisco vamos ser pais. – esboçando um enorme sorriso. Pisquei os olhos.
- A sério?
- SIM!!!
- Vais ter um filho bastardo?!
Elena suspirou.
- Pois, bem sei, mas ninguém saberá. Vamo-nos casar daqui a um mês.
Paralisei. Senti os olhos de Francisco em mim.
- Desejo-vos as maiores felicidades do mundo. – sorri-lhes o melhor que pude.
Elena começou, pois, a tagarelar sobre o casamento, o bebé, a compra de uma casa... Senti-me completamente vazia, perdida e enjaulada. Tinha de sair dali.
- Está um dia tão bonito...peço desculpa, mas vou ausentar-me.
- Onde vais? – perguntou Elena.
- Vou passear a cavalo.
- Então, dá um beijinho à Condessa.
- Darei. – disse eu antes de me dirigir aos estábulos. Escovei e preparei a Condessa para o passeio. Pouco depois, cavalgava rumo à fresca brisa.
Entrei num bosque, bem perto da mansão. Deitei-me na verdura, fechei os olhos e escutei o coração do bosque.
- (...) él trájo una merienda...
Abri os olhos, repentinamente.
- Sr. Francisco, o que pensa que está aqui a fazer?!
- He venido a ti.
- Isso já entendi, Sr...
- Está triste.
- Eu? Triste? Nada disso. Estou apenas pensativa.
- Está triste.
- Ouça: O Sr. Francisco não me conhece nem tem o direito de fazer juízos de valor sobre mim!
- Lo siento, no fue mi intención ofenderle, pero veo que están molestos.
- Garanto-lhe que não.
- Ha sido así desde que sabía que su hermana está embarazada.
- Fui apenas apanhada de surpresa.
- Estaba pálida y avergonzada, y cuando le dijimos que nos íbamos casar...
- As maiores felicidades vos desejo.
- Alto! Esto no es verdad.
- Perdão?
- Sí. Esto no es verdad!
Olhei-o, boquiaberta.
- Retire o que disse.
- No.
- Imediatamente!
- NO! – ao exclamar, deitou-se em cima de mim. Debati-me contra ele, mas este agarrou nos meus pulsos, firmemente e com uma mão, prendeu-mos na relva junto à minha cabeça.
- Ves? Puedes sentirlo?
Estava prestes a negar, quando ele colocou a sua outra mão no meu seio palpitante.
- Sé que cómo te sientes, porque yo siento lo mismo. – aproximou-se ainda mais de mim. Quando vi que os seus lábios procuravam saborear os meus, afastei o meu rosto para o lado.
- Não posso. Não podemos...
- Te amo y tú también.
- Sim, mas o Sr está comprometido com a minha irmã. Não sou capaz de lhe fazer tal traição. Nem agora nem nunca, Sr. Francisco. Nunca!
- Te dije que no me llames señor!
Ía protestar, de imediato, mas a minha boca foi atacada por lábios perfeitos e sedentos de amor.
O beijo foi tão profundo e sentido que mal conseguia respirar. As minhas mãos rodearam-lhe o colarinho da camisa branca, puxando-o para mim.
Ele, emaranhava-me o cabelo, louco. As mãos dele apalparam os meus seios, percorreram a minha cintura e foram descendo, descendo.
Por entre as minhas saias, ele procurava a minha carne acalorada, após os seus toques. Francisco desapertou as calças e por fim, penetrou-me.
Fechei os olhos e não consegui parar de gemer com tamanho prazer.
Com grande dificuldade, fui-lhe desapertando o colete e a camisa, ficando assim em tronco nu. Arranhei-lhe as costas, o que fez com que ele acelerasse o ritmo e a força. As minhas mãos procuraram algo a que me pudesse agarrar – ainda arranquei relva. Mas isso não importava. Naquele momento nada importava.
Apenas eu e Francisco. E o nosso amor. E a luxúria que sentíamos e que estávamos a viver no momento. Por entre suspiros, gemidos e respirações dificultadas, dissemos palavras de amor um ao outro. Eu estava no limite da felicidade. (...) Sorrimos um para o outro. As estrelas já brilhavam no céu.
Francisco pegou-me ao colo e sentou-me nas costas da Condessa. Fiz-lhe festinhas no focinho, agarrei nas rédeas. Dei voltinhas, montada na minha égua preferida. Debrucei-me para o queixo esticado e beijei Francisco.
Cavalguei até casa.
(...)
É hoje. É hoje! É hoje o suposto casamento de Elena Gomez e Francisco Fernandéz. Ai! Eu não devia estar no bosque à espera dele para fugirmos juntos!
Ai, eu não devia!
De repente, Francisco chegou. Trajava uma capa com capuxo preto. Chegou-se a mim. Deu-me a mão. Ambos observámos a aurora e juntos cavalgámos para bem longe dali.

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