domingo, 5 de junho de 2011

Soulmates Never Die ~ 9º capítulo

Eram 18 horas, quando saí da escola e fui à Torradinha comprar um croissant de chocolate.
Sentei-me nos banquinhos da paragem da camioneta, enquanto lanchava e ouvia The Cranberries.
Sentia as ruas muito pouco movimentadas. Vi um carro pequeno e de cor cinzenta a parar ao pé do sítio onde me encontrava. Prendeu-me a atenção.
O motor desligou-se e de dentro do carro saiu um rapaz alto e entroncado com um sorriso vacilante. Aproximou-se de mim com um andar de predador.
- Olá-olá. Vejam só a beldade que ela é.
Olhei para cima.
- Ricardo?
No preciso momento que acabei a pergunta, ele atingiu-me a cara com um spray. Perdi os sentidos.
(...)
What’s in your head... in your head... zombie-zombie-zombie...
Acordei ao ouvir a vocalista dos The Cranberries.
Olhei para os lados. Estava dentro de um carro minúsculo que quase me asfixiava.
- Onde estamos?
- Num sítio onde ninguém nos pode ver, ouvir e incomodar.
- O que queres dizer com isso?
- Quero dizer que hoje não me escapas. – disse Ricardo, quando se debruçou para cima de mim. Agarrou-me na cara e começou a beijar-me.
Bati-lhe nos ombros para que me libertasse, mas ele era mais forte do que eu.
- LARGA-ME! JÁ!
Ele agarrou-me violentamente no pescoço e mordeu-me o lábio.
De repente, comecei a sentir o sabor a metal; tinha começado a sangrar do lábio inferior. Começou a tactear pelas minhas pernas. Agarrou-me as coxas impedindo que me movimentasse. Consegui abanar os ombros e costas, tentando soltar-me. Ele reparou nesse meu plano e empurrou-me contra o vidro. Fiquei cheia de dores de cabeça, mas não me dei por vencida. Comecei a gritar, mas parecia que ninguém me ouvia. Era de noite e mal conseguia ver para o exterior. Ele desapertou-me o fecho das calças e tirou a sua camisola. Tirou também a minha e fiquei em soutien. Batia-me, porque os meus joelhos estavam a fazer força para não abrir as pernas.
Meteu-me as mãos por detrás das costas.
- Porque me estás a fazer isto?
- Nunca percebeste! És mesmo uma vaca estúpida! Estive apaixonado por ti durante 3 anos.
- A sério?
Deu-me duas bofetadas na cara. Arranhou-me as pernas. De um momento para o outro, também já sentia bastantes dores das nódoas negras que ele me tinha feito, assim como bastante arranhões e vergões. Ele continuava a bater-me. Com as mãos atrás das costas, consegui chegar ao manípulo da porta. Com todas as minhas forças, deilhe um pontapé no meio das pernas.
Ele gritou de dor e era esta a minha oportunidade. Abri a porta e meti uma perna fora do carro. Ricardo – ainda a gritar – agarrou na outra perna que ainda permenecia dentro do carro. Fez-me desiquilibrar e caí com a cara no chão. Ainda assim, gritei, inutilmente. Mas a minha tatuagem – a estrela da sorte - ajudou-me e deu-me forças para não desmaiar e dar-lhe outro pontapé. Reparei que desta vez o tinha atingido na cara.
Levantei-me a cambalear e comecei a correr a uma velocidade mínima, mas era a única a que me conseguia movimentar. A chorar atravessei uma estrada. Não estava nada segura do meu próprio corpo. Pensava que iria desmaiar a qualquer momento. Para meu infortúnio ou para minha plena sorte, obversei um carro escuro na estrada. As luzes incadeavam-me.
Se pensar, sentei-me no meio da estrada. Fechei os olhos e murmurei:
- Mãe, vem buscar-me.
Apenas ouvi o carro a parar abruptamente. De seguida, perdi os sentidos.
(...)
It doesn’t hurt me. You wanna feel how it feels?
You wanna know, know that doesn’t hurt me? You wanna hear about the deal I’m making?
Remexi-me.
- No te muevas. Puedes dormir, estás a salvo.
Algo naquela voz me fez ficar mais tranquila, por isso, obedeci-lhe.
(...)
Pestanejei e abri os olhos. Fechei-os logo de seguida, devido à excessiva luz. Devagarinho, voltei a abri-los. Olhei à minha volta. Fiquei de queixo caído. Estava deitada numa cama de casal larga e comprida. O quarto era belíssimo. Mesmo em frente ao quarto havia um vidro e do outro lado, avistei várias cadeirinhas que repousavam na relva verdinha do jardim.
Apesar de estarmos em Novembro, o tempo estava seco e com um ventinho fresco que fazia balançar algumas palmeiras do jardim.
Sentei-me na cama fofa. Algo se mexeu perto de mim. Olhei para o lado e vi um rapaz com barba por fazer, cabelo castanho bem curtado dos lados, olhos cor-de-avelã e lábios sensuais a mirar-me.
- Espanhol?
- No te muevas. – disse, recostando-me a almofada atrás das costas. – Cómo estás?
- Nem sei bem. Hey, como vim a parar aqui? Aliás, onde raio é que eu estou? Calma. Morri e fui para o Céu?
Ele riu-se das minhas confusões.
- No, no estás muerta! Te vi en la carretera la noche anterior. Se desmayó. Te he traído en mis brazos y esta es mi casa.
- Eras tu o dono do carro preto?
- Sí.
- Oh meu Deus.
- Qué te pasó?
- Eu... eu não quero falar sobre isso...
- Tienes cicatrices en las rodillas y las piernas.
- Como sabes? – perguntei, desconfiada e medrosa.
- Usted fue casi desnudo.
- Oh meu Deus, que vergonha! – exclamei ao corar.
- Se no quieres decirme lo que pasó, está bien, pero usted debes informar al médico.
- Dizer ao médico?
- Sí.
- Mas qual médico?
- El médico que acaba de llegar.
- O quê?! – perguntei, escandalizada.
- Buenos díaz, senõr García. – disse um senhor que aparentava ter 50 e tal anos. Era baixinho, tinha o cabelo grisalho, bigode farfalhudo, olhos castanhos muito escuros tapados por uns óculos.
- Buenos díaz, médico.
- Así que vamos a ver el problema con esta bella joven.
Senti-me um pouco desconfortável, visto que não conhecia aquele doutor.
Ele calçou umas luvas brancas, puxou os óculos para cima e agarrou-me delicadamente no rosto.
- Ella tiene muchos moretones.
- Sí-sí, pero también tiene muchas en las piernas y en las rodillas. – informou o Espanhol. Olhei para ele, semicerrando os olhos que faíscavam. Ele olhou-me profundamente também.
- En serio? Puede desnudarse, por favor? – pediu o médico.
Olhei para o meu próprio corpo debaixo dos lençois brancos.
Lentamente, o meu olhar foi de encontro ao do Espanhol.
Passados dois segundos ele compreendeu.
- Estoy en el comedor si me necesitas. Hasta ahora. – e abandonou o quarto.
Assim sendo, despi-me. O médico mirava as minhas nódoas negras e vastas cicatrizes e apontava tudo num pequeno bloquinho na mesa de cabeceira.
Eu nunca abri a boca. De vez em quando, fazia caretas, enquanto o médico carregava nos hematomas.
Disse para me voltar a vestir, tirou as luvas e abandonou o quarto.
Suspirei. Olhei para a mesinha de cabeceira e encontrei um rádio.
Liguei-o na Rádio Comercial. Estava a tocar uma música que eu gostava muito, chamada All Good Things de Nelly Furtado.
Ajeitei melhor a roupa no meu corpo. Procurei um espelho e pela primeira vez após o que me tinha acontecido, vi-me ao espelho.
Tinha os lábios inchados e as bochechas muito vermelhas e doridas.
Perto do queixo formava-se uma nódoa negra em tons roxos. Bufei.
Arranjei o cabelo. Olhei através da vitrina que dava para o jardim.
Assustei-me quando vi o Espanhol a andar de um lado para o outro com os dedos a apertarem a cana do nariz. Finalmente, atirou-se para uma cadeira.
Mordi o lábio. A música tinha acabado. Abri o vidro e sentei-me numa cadeira ao lado da sua.
- Yo no... yo no puedo creer.
- Em que é que não consegues acreditar?
- Tú...? – suspirou profundamente, massajando a cana do nariz com os olhos fechados. – Mariza. Es cierto que te violaron?
- Como é que...
- ES ESTO CIERTO? – berrou ao olhar-me ferozmente.
Os meus lábios estavam semi-abertos com a surpresa.
- Não... não fui violada.
- Entonces, qué te pasó?
- Eu não deixei que isso acontecesse. Ele apenas me bateu.
- Él? Quién?
- Ninguém, esquece isso.
- QUIÉN?
Engoli a seco.
- Um ex-colega meu.
- Nombre? La escuela? – exigiu saber.
- Por que é que queres saber?
- Mis cosas. Dima su nombre y su escuela, por favor.
- Mas para quê? Não te vais emter em confusões por minha causa!
- Ese tipo trató de una violación.
- Sim, mas...
- Pero nada!
Vi que aquela conversa não daria lugar a nada; tentei ir por outro caminho.
- Por que é que fazes tudo isto por mim? Qual é a razão? Nem sequer posso dizer se somos ou não amigos, no entanto, tens me ajudado imenso. Porquê?
O Espanhol fitou as palmeiras.
- Porquê?
- Yo no lo sé. – mirando-me.
- Não sabes?
- No.
Desviei o olhar.
- Onde estou?
- En Sintra.
- Onde é a porta?
O Espanhol olhou-me confuso.
- Por qué quieres saber?
- Para me ir embora.
- Si no quieres quedarte, yo te puedo llevar a casa.
- Não quero ficar.
Ele olhou para mim, mas eu não retribuí o olhar. Passados uns segundos, ele bateu com as mãos nas pernas e levantou-se.
- Voy a conseguir las llaves del coche.
(...)
Durante o caminho não dissemos uma palavra.
O rádio estava sintonizado na Rádio Comercial que tocava Try de Nelly Furtado.
Pedi-lhe para me levar a Sacavém, rumo à casa da minha prima.
Chegámos ao destino. Ele desligou o motor. Encostou a cabeça à almofada do banco e fechou os olhos. Puxei uma mecha de cabelo para trás da orelha esquerda.
- Javi... desculpa se fiz algo de errado.
- No hizo nada malo.
- Então, porque estás chateado comigo?
- No estoy molesto contigo.
- Estás sim. Senão tivesses, não estarias assim.
- Estoy molesto conmigo mismo.
- Porquê?
- Por qué estoy me di cuenta de algo.
- Do que é que te estás a aperceber?
O Espanhol coçou o cantinho do lábio inferior perfeitamente esculpido pelos mais brilhantes Deuses.
- Lo que estoy sintiendo.
- E o estás a sentir?
Os meus lábios estavam semi-abertos, pois de vez em quando, mordiscava-os. O Espanhol olhou para mim; virou o seu corpo.
Como num acto reflexo, aproximou-se de mim e deixou que os seus lábios perfeitos – com uma curva belíssima em forma de coração no lábio superior – tocassem nos meus muito levemente.
Não correspondi ao beijo, devido à chocante surpresa.
Ele recuou apressadamente.
- Perdóname. No debería haberlo hecho.
- Eu... – murmurei, incapaz de falar coerentemente.
- Será mejor que vayas.
- Sim-sim. É melhor.
Não sei como, consegui abrir a porta do carro e saí.
Subi as escadinhas que davam lugar aos grandes prédios da Quinta do Património. O BMW preto reluzente já tinha deixado o passeio e seguia na estrada. Toquei à campainha.

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