domingo, 5 de junho de 2011

Soulmates Never Die ~ 1º capítulo

- Mariza?
A professora de Português tagarelava com o resto dos meus colegas, mas eu, sem paciência alguma para ouvir as suas tão benditas piadas secas, agarrei num lápis e comecei a rabiscar no meu caderno de apontamentos.
- Mariza?
Tinha feito umas quantas flores bonitinhas a rodiar o sumário da aula.
Apesar de não estar a prestar atenção à seca que a turma estava a apanhar, os meus ouvidos captaram uns passos irritantes de uns sapatos de salto raso já gasto.
- MARIZA?! – gritou a stora mesmo à minha frente.
Dei um pulo da cadeira e quase larguei o lápis que tinha nas mãos quentes.
Toda a turma se riu das minhas pobres figuras, principalmente o que o fez em primeiro lugar: o meu amigo e colega de carteira chamado Pedro.
- Quer explicar-me o primeiro capítulo da obra literária que iniciámos esta manhã? – perguntou a stora.
PRIMEIRO: qual era a obra literária que começámos a estudar?
SEGUNDO: porque raio é que não faltei às aulas?
Como se tivesse ouvido os meus pensamentos, Pedro deu-me uma ligeira cotovelada e eu olho-o de esguelha. Fez-me sinal para algo que estava em cima da mesa. OS MAIAS.
Olhei para a stora, sorrindo-lhe.
- Claro que sim, stora. Então, no primeiro capítulo, Eça de Queirós escreve sobre...
TRING-TRING-TRING!!!
Uffa! Salva pelo toque de saída. Abençoado sejas!
- Na próxima aula não me escapa! – declarou a stora, com má cara.
Trocei dela, enquanto arrumava os meus pertences na mala.
Esperei pelos meus amigos e fomos para o Polivalente.
- O que se passa, Mariza? Hoje estás tão distante... – comentou Pedro.
Olhei para ele, encolhendo os ombros.
- Vamos ter Inglês a seguir.
- Tens de ultrapassar isso, Mariza. Não é saudável nem para ti nem para a tua média. Sempre adoraste Inglês e estás a baixar cada vez mais! – exclamou Patrícia.
- Estás sempre a dizer para “ultrapassar”, porque o teu pai não é um estúpido que te deixou sozinha para ir viver feliz para sempre com uma puta! – ripostei com alguma violência.
Patrícia bufou.
- A Tixa tem razão, Marisca. A tua nota em Inglês está a descer bastante. A Juliet não merece que tenhas más notas para te vingares nela! – opinou Rita C.
- Não, não! Quem não merece aquilo que se está a acontecer é a minha mãe!
Passados uns segundos, vi Dalila a aproximar-se da nossa mesa.
- PRIMINHA! – gritou ela.
Levantei-me e abracei-a.
- Por favor, vem comigo lá fora arejar um bocado. – sussurrei-lhe ao ouvido.
- Porquê? O que se passa?
- O mesmo de sempre!
- Mariza, eles têm razão! E devias agradecer-lhes por se preocuparem contigo. Há quem não o faça.
- Lá isso é verdade, mas anda. – agarrei-lhe na mão e puxei-a para que viesse comigo.
- Hey, onde vamos?
- Lá fora. Preciso de me acalmar.
Dalila percebeu logo o que eu quis dizer e largou-me a mão.
- Nem penses, priminha! Disseste que ias deixar de fumar.
- Sim, mas um cigarrinho não faz mal a ninguém. Vá anda.
- NÃO!
- Mas...
- Mas nada! Só fumas porque sabes que a Juliet odeia o cheiro do tabaco! Por isso, vais deixar esse vício psicológico e vamos voltar para a mesa e conversar com os nossos amigos, como gente normal.
- Dizes isso como se eu não fosse normal. – disse eu, rindo-me.
- E não és! És doida desde o dia que nasceste. Todos nós sabemos isso. – troçando de mim.
- AH AH AH. Que gracinha, Dadá.
Dalila deitou a língua de fora onde mostrava o seu piercing. Rimo-nos e voltámos para a mesa.
Passados cinco minutos já rumavamos até à sala 220 onde íamos ter Inglês.
Sentei-me na cadeira sem energia.
Enquanto eu olhava para a Ponte Vasco da Gama através da janela aberta, a stora entrou e deu-nos os bons dias.
Só se fosse para si, stora – tive quase para dizer, mas... a stora era fixe e não tinha culpa nenhuma das minhas crises existênciais, nem tinha de levar com o meu mau humor.
Por isso, continuei a olhar para a Ponte e para o céu azul.
- What do you see, Mariza? – indagou a stora.
A pergunta apanhou-me desprevenida.
- I just see Ponte Vasco da Gama and contemplate the beautiful blue sky.
- Interesting. Are you thinking?
- I don’t know, maybe I can think.
Os meus colegas riram-se e eu ajudei a risota.
- Maybe? Hum, so, what could you think about?
- Perhaps I could think how stupid, boring, ridiculous and depressing my life is.
- And why is your life so bad as you say?
Pela primeira vez, olhei-a.
- I don’t want to talk about it. – disse, quase a soletrar as palavras.
- Oh, please, forgive me if I hurt you.
- No, not at all.
- So, please open your books on page 106.
Finalmente, começou a aula.
Pus os meus fones nos ouvidos, tapando-os com o cabelo castanho basto e comprido.
Estava a ouvir a minha banda preferida: The Cranberries.
Nos 90 minutos de aula, consegui ouvir o CD Best Off.
Já não suportava as aulas de Inglês.
Estava constantemente a lembrar-me da vaca da minha madrasta inglesa que enfeitiçou o meu pai e o levou para Londres.
E, deixou-me aqui em Lisboa, na guarda da minha tia chata, cuja paciência é mesmo pouca, mas eu estou sempre desejosa de atormentar.

Tinha 14 anos quando a minha mãe faleceu no trabalho.
O seu último salvamento...
No seu último salvamento, salvou a vida de uma criança de 9 anos e da sua mãe de 28 que foram surpreendidas por uma onda forte que quase as afogou.
Não as afogou, mas a minha mãe – nadadora salvadora da praia da Costa da Caparica – foi incapacitada pelo peso dos corpos da mãe e filha que tentou levar à tona de água, assim como à gigantesca onda que rebentou em cima dela.
Durante 3 anos fui incapaz de nadar em praias.
Porque eu estava lá... eu vi tudo...
Eu vi a cara da minha mãe, segundos antes da onda a levar de mim.
Vi como a onda violenta a empurrou para baixo.
Vi como a mãe e filha voltaram à costa tão pouco preocupadas na minha mãe.
Eu vi como as pessoas acaloradas observavam pasmadas o terrível acidente, mas não avistei ninguém preparado para mergulhar e socorrê-la.
Tal como a minha mãe, sou uma nadadora brilhante e na altura já era.
Quis correr para a água e encontrá-la, mas debati-me contra os braços firmes de alguém.
Alguém que era amiga e colega da minha mãe.
Alguém que não me deixou ajudá-la.
Alguém que secretamente desejava o meu pai.
Alguém cujo nome é Juliet Forbes.
Alguém que passados 5 anos se tornou a minha madrasta.

O sagrado toque libertou-me das minhas angústias e vagueamentos pelo passado.
Eu, Dalila, Patrícia, Pedro, Rita C., Diana e o seu namorado Rodrigo saímos da escola;
Despedimo-nos dos grandes amigos e vizinhos: Pedro e Rodrigo.
Patrícia, Rita C. e Diana apanharam a camioneta para a Quinta da Piedade, enquanto eu e Dalila fomos apanhar o comboio rumo à Baixa.
Mudamos de transporte, mas não demorou nada até chegarmos ao destino pretendido.
Entrámos no estabelecimento.
Esperámos 20 minutos, pois estavam pessoas à minha frente.
- Dalila Santos? – perguntou o empregado que estava cheio de tatuagens.
- Smos nós. – disse a minha prima.
- Podem entrar. – disse-nos.
Dalila guiou-me até à sala pequenina, mas agradável, já conhecida dela.
- Olá, meninas! – exclamou um tipo gordo, careca, com barba por fazer, cheio de piercings e tatuagens feias.
- Então, o que vai ser hoje, Dalila?
- Hoje não sou eu. É a minha prima: Mariza.
O tipo que metia nojo até aos cães, mirou-me de alto a baixo.
Pareceu ficar decepcionado.
Okay... eu não me vestia de toda de preto. Era incapaz de dispensar as minhas queridas jeans e as minhas T-shirts com mensagens do tipo Deixa-me em Paz.
Só tinha uma tatuagem de uma estrela pequenina na cartilagem da orelha direita, 4 furos na orelha direita e 2 na orelha esquerda.
Era elegante e apesar de não estar sempre de trombas (como ele devia estar excepto quando lhe faziam uma outra tatuagens ou a clientela conhecida ía lá) sentia-me sempre revoltada por dentro. E a única maneira de sentir esta revolta passar, era através de dor física.
Por isso, com a melhor cara de má que sabia fazer, disse:
- Quero um piercing na narina esquerda!
O gorduxo franziu as sobrancelhas.
- Algum problema?
- Nenhum, queridinha.
Ele levantou-se e foi buscar um expositor de piercings.
- Escolhe lá.
Observei-os todos minuciosamente.
- É para hoje.
Que raiva, páh! Aquele gajo já me estava a irritar. Apetecia-me dar-lhe um pontapé na boca onde tinha dois anzóis pretos.
Escolhi um pequenino em forma de estrela de cor preta.
- Este.
Ele tirou-o e foi buscar os materiais (usados pelos membros dos chulos da Inquisição, apostava).
Aproximou-se de mim e fechei os olhos.
AUCHX!!!
Oh meu Deus!
Aquilo doeu como o caraças.
Paguei e saímos dali.
Ainda sentia o nariz dormente.
Dalila ía apanhar a camioneta e comboio de volta a Sacavém, enquanto eu ía ao Estádio do Sporting.
BÁH! Não gostava muito de entrar no Estádio, pois não era o meu Club do coração, mas o meu melhor amigo do coração era mais do que Sportinguista ferrenho. Enfim...
Os jogadores estavam a treinar, quando me sentei nas Bancadas verdinhas.
Avistei-o desde logo.
Tinha uma fitinha fina que lhe puxava o cabelo comprido e liso para trás.
Depois dos treinos acabarem, os jogadores entraram nos Balneários.
Senti o meu telemóvel vibrar ao som de Man Down de Rihanna.
- Estou?
- Onde estás, Mariza? – perguntou uma voz minha conhecida.
- Olá, Nené! – exclamei alto. Adorava chamar-lhe Nené – alcunha dada pela sua avó. Ele detestava! AHAHA!
- Não me chames isso, doida! – rindo-se ele também.
- Estou nas Bancadas à tua espera.
- Ah, okay. Já vou ter contigo.
- Está bem, André.
- Até já. – e desligou.

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